Parecia uma garota comum. Calma, os olhos doces, sorriso cativante.
Já havia morado em várias cidades diferentes. Pouco falava de si, misteriosa
por natureza. Tinha verdadeira paixão por animais, mas nunca teve nenhum. Não falava
de amores e afins, aliás, sempre desconversava quando se tocava no assunto. Sofria
de uma doença que ninguém sabia. Há boatos que este era o motivo de tantas
cidades em sua história. Ela não tinha facilidade para fazer amigos, mas quando
fazia, duravam pela vida toda – até se mudar novamente. Tinha suas fases de isolamento
repentino – o que ninguém compreendia – mas sempre voltava a aparecer em algum
momento. E como todo mundo, em algum momento, começa a se envolver
emocionalmente com alguém, porém, nunca por vontade própria. E então, começam
os sintomas da doença e, tão imediatamente, os anticorpos entravam em ação.
Repele qualquer aproximação que ouse passar do limite. Esquivava-se quando uma
mão tocava a sua. A falta de ar tomava conta em abraços muito longos. Mensagens
carinhosas, olhares penetrantes causavam-lhe aceleração nos batimentos
cardíacos. A última vez que teve uma crise e parou no hospital foi causada por ouvir
um “eu te amo”. Sumiu e desta vez não voltou. Chegou o dia de arrumar a mudança
novamente. A garota que não podia ser amada estava de malas prontas, com a
passagem em mãos, aguardando seu ônibus chegar na plataforma. Andava de um lado
para o outro até que ouvir seu celular – uma nova mensagem. Ficou imóvel por
alguns segundos. Estava visivelmente incomodada. Só pegou no celular quando já
fazia algum tempo que estava sentada e o ônibus em movimento, sem possibilidade
de volta. Só de imaginar a possibilidade de um beijo, um abraço, logo a tontura
lhe fazia fechar os olhos, porém, assim, todos os pensamentos ganhavam mais
força. Estava quase desmaiando. Respirava fundo, e repassava incansavelmente o
exercício orientado pelo médico, até que pegou no sono. Sonhou com os beijos
que nunca teria, com o carinho que guardava só pra si. Tinha consciência que
ficaria sozinha para sempre, mas seus sonhos tinham a liberdade de ser e ter o
que quisesse. Acordou com a movimentação das pessoas. Desceu do ônibus com um
olhar curioso para a nova cidade que, a princípio, lhe parecia bonita e calma.
Chegou à sua nova casa, em um bairro próximo ao centro. Um jardim modesto na
frente e uma varanda convidativa para noites admiráveis de lua cheia. Ao passar
pelo portão cruza com seu novo vizinho que a cumprimenta com um sorriso –
imediatamente correspondido. É... parece que não passará muito tempo por
aqui...
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