terça-feira, 28 de outubro de 2014

Coração Intacto


     Parecia uma garota comum. Calma, os olhos doces, sorriso cativante. Já havia morado em várias cidades diferentes. Pouco falava de si, misteriosa por natureza. Tinha verdadeira paixão por animais, mas nunca teve nenhum. Não falava de amores e afins, aliás, sempre desconversava quando se tocava no assunto. Sofria de uma doença que ninguém sabia. Há boatos que este era o motivo de tantas cidades em sua história. Ela não tinha facilidade para fazer amigos, mas quando fazia, duravam pela vida toda – até se mudar novamente. Tinha suas fases de isolamento repentino – o que ninguém compreendia – mas sempre voltava a aparecer em algum momento. E como todo mundo, em algum momento, começa a se envolver emocionalmente com alguém, porém, nunca por vontade própria. E então, começam os sintomas da doença e, tão imediatamente, os anticorpos entravam em ação. Repele qualquer aproximação que ouse passar do limite. Esquivava-se quando uma mão tocava a sua. A falta de ar tomava conta em abraços muito longos. Mensagens carinhosas, olhares penetrantes causavam-lhe aceleração nos batimentos cardíacos. A última vez que teve uma crise e parou no hospital foi causada por ouvir um “eu te amo”. Sumiu e desta vez não voltou. Chegou o dia de arrumar a mudança novamente. A garota que não podia ser amada estava de malas prontas, com a passagem em mãos, aguardando seu ônibus chegar na plataforma. Andava de um lado para o outro até que ouvir seu celular – uma nova mensagem. Ficou imóvel por alguns segundos. Estava visivelmente incomodada. Só pegou no celular quando já fazia algum tempo que estava sentada e o ônibus em movimento, sem possibilidade de volta. Só de imaginar a possibilidade de um beijo, um abraço, logo a tontura lhe fazia fechar os olhos, porém, assim, todos os pensamentos ganhavam mais força. Estava quase desmaiando. Respirava fundo, e repassava incansavelmente o exercício orientado pelo médico, até que pegou no sono. Sonhou com os beijos que nunca teria, com o carinho que guardava só pra si. Tinha consciência que ficaria sozinha para sempre, mas seus sonhos tinham a liberdade de ser e ter o que quisesse. Acordou com a movimentação das pessoas. Desceu do ônibus com um olhar curioso para a nova cidade que, a princípio, lhe parecia bonita e calma. Chegou à sua nova casa, em um bairro próximo ao centro. Um jardim modesto na frente e uma varanda convidativa para noites admiráveis de lua cheia. Ao passar pelo portão cruza com seu novo vizinho que a cumprimenta com um sorriso – imediatamente correspondido. É... parece que não passará muito tempo por aqui...

domingo, 12 de outubro de 2014

Volte Sempre




"É estranho quando as coisas simplesmente têm de terminar. É o estágio onde todos os sentimentos
já evoluíram para um nada. É o nada que você optou para parar de sentir dor. 
C.F.A


Enquanto eu fazia planos, sonhava, sofria calada, você falava absurdos tentando justificar o fim, dentro de mim ecoava o desejo de ainda dar certo. Não estraga, não destrói, não! E esse desejo sobreviveu em segredo mesmo depois de meses. Tudo desmoronou, sem sobreviventes. Sentimentos? Tem, mas estão faltando. Eu não tenho mais armas para lutar, não tenho mais forças. Te entrego de bandeja para o inimigo por perceber e, mesmo contra vontade, admitir que ele pode te dar o que merece, o que não consigo. O que falhei, o que perdi. Eu me perdi. Mas no dia que se perceber sem risadas sinceras, sem gargalhadas de doer a barriga, sem planos malucos pra um final de tarde, volte. Eu estarei no mesmo lugar onde te deixei partir. Sorrindo a cada pessoa que penso ser você. Estarei aqui no mesmo lugar. Sempre.

quinta-feira, 31 de julho de 2014

Procura-se Sentimento Perdido


“Parece incrível ainda estar vivo quando já não se acredita em mais nada. Olhar, quando já não se acredita no que se vê. E não sentir dor nem medo porque atingiram seu limite.”
Caio F. Abreu

    Escrevo. Escrevo até machucar os dedos na esperança de que as palavras me tragam respostas. Há dias em que odeio com todas as minhas forças o que me tornei. Quebrei em milhões de pedaços e, além de ter perdido alguns no meio do caminho, colei errado os que sobraram. Transformei-me em uma espécie de Frankstein, que deve se manter afastado para não machucar ninguém. Hoje entendo quando falava que o não sentir pode doer mais que o sentir. Não consigo entender meus próprios sentimentos, vontades, atitudes. Já passei por vários pensamentos e hipóteses tão confusas como estou agora. Talvez o pior não tenha sido você ter me magoado e ido embora, me deixando falando sozinha e sim, ter me ensinado a ser mais forte. Talvez a dublê tenha assumido todas as cenas do filme. Possivelmente eu tenha me transformado em outra pessoa, independente, livre, forte, volúvel, desapegada para que ninguém chegasse nem perto de destruir de novo aquela tola, frágil, doce, romântica e sonhadora. Talvez o vazio que deixou me preencheu de tal forma que sem ele eu não saiba mais viver. Pode ser. Ou talvez meu coração tenha se autocongelado, se recusando a bater dentro de mim, exigindo um novo dono que saiba o proteger. Quem sabe o erro foi meu de não ter notado antes que já não havia mais vida aqui dentro. Talvez se me aproximar o máximo possível do sentimento do trauma eu consiga encontrar os pedaços perdidos. Certamente não quis aceitar e acreditar que um sentimento tão único, grandioso e bonito tenha se perdido justamente quando eu poderia senti-lo sem dor e, finalmente, vivê-lo. Devia ter guardado ele no congelador para que ficasse intacto. Nesse meio tempo, continuo me sentindo presa, em coma, onde quanto mais luto pra voltar à vida mais longe dela fico. Mais triste a cada dia. Fria. Talvez, depois de tantas lágrimas eu, enfim, tenha secado.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Às vezes, amar, é deixar ir


"É possível amar muito alguém, ele pensou. Mas o tamanho do seu amor por uma pessoa
nunca vai ser páreo para o tamanho da saudade que você vai sentir dela."
— O Teorema Katherine.

     Fim. Começar um texto pelo fim não faz muito sentido. E o que tem feito, não é? O caos me acompanha todos os dias. Minha cabeça parece estar rodando em uma velocidade em que não consigo raciocinar. Só consigo pensar na dor. Não, não é a minha, isso que mais dói. A minha já virou angústia e desespero. Como parar? Com um ponto final. Não consigo pensar, só sei que preciso tirar o espinho de uma vez, como você sempre disse preferir, como eu nunca soube fazer. Fiz. Fiz por não aguentar mais ver seus olhos tristes. Meu coração parece que vai explodir. Não me importo mais com ele, talvez ele nem seja mais o que nasceu em mim, e sim um coração mecânico colocado ali porque tinha que ter alguma coisa no lugar. É assim que tenho me sentido, totalmente programada para machucar. Quando vejo, já foi e não adianta me condenar e me punir como sempre. Por mais que eu lute contra é o que sempre acontece. Busco todo dia alguém que me formate, urgente, sem sucesso. Olho de fora e não me reconheço, nem atitudes, pensamentos e sentimentos. Se você, a única pessoa que ainda acreditava em meu lado bom já não acredita mais, quem sou eu pra não concordar? Talvez eu tenha me tornado mesmo tudo isso, que só eu sei quão ácido é esse conflito. Talvez seja a hora de assumir e parar de lutar contra. Não vou permitir te machucar mais, nunca mais. Serei um robô sozinho, como devem permanecer as ameaças, longe dos corações puros. Eu te liberto de nós, e acredite, você vai me agradecer um dia.
     Eu sinto muito cada lágrima, cada dor, cada erro cometido,  sinto a dor de ter me perdido. Não, não estou culpando ninguém além de mim mesma. Talvez eu não seja tão bonita quanto pensam. Talvez tenha um limite de dor que, quando ultrapassada, você vai apodrecendo por dentro. E chegar à essa conclusão me faltar o ar. Ou, quem sabe, você tenha inventado essa pessoa que nunca fui. Isso também não importa agora. O fato é que a dor de te ferir é multiplicada, sinto a sua e a minha e isso está fazendo a gente definhar. Não é isso que sonhei pra você. Eu prometo te proteger de mim. Só por favor, preciso deixar meu coração  mesmo que mecânico  perto de você, onde é o lugar mais bonito que ele poderia ficar, mesmo não merecendo. Entenderei se ele ficar na caixa lacrada jogada no porão, o importante é estar longe de mim. Cuida bem dele e o lembre todos os dias que ele ficou aí por ser a única pessoa verdadeiramente capaz de possuí-lo. E que ele jamais pense que foi um abandono, só não posso levar ele pra escuridão que me espera. Ele precisa estar seguro para proteger a pessoa mais importante pra mim, que vai morar pra sempre dentro dele.


segunda-feira, 10 de março de 2014

Volumes do silêncio


"Como a abelha trabalha na escuridão, o pensamento trabalha no silêncio e a virtude no segredo."
Mark Twain

O silêncio me acompanha, pulsando e me envolvendo de dentro pra fora. Quanto maior o silêncio, maior o barulho aqui dentro. Quanto maior o barulho, mais ele escorre pelos olhos. Dependendo do volume, o silêncio te aperta a ponto de te deixar sem ar. Algo se move nos corredores da minha alma. Não é sempre, mas quando resolve bagunçar tudo acaba me trazendo tudo que já havia colocado no seu devido lugar. Me bagunça, me tira o foco, como se naquele minuto eu fosse para outro mundo, da onde não quero sair. O problema é não poder ficar lá, de verdade. Às vezes me pego correndo, com passos longos e pesados, tentando chegar nesse lugar, mas encontro os degraus vazios, silêncio e pessoas que nunca vi. O verde já está desbotado e o vento frio, nem os passarinhos cantam tanto. A água continua caindo como um calmante direto na veia. O sorriso da imagem me faz sorrir também. E vou continuar sorrindo, a cada esquina, a cada dia, a cada lembrança, a cada reencontro − mesmo, às vezes, acordando no meio dele.