sábado, 21 de março de 2015

Não me ame!


Porque metade de mim é a lembrança do que fui, 
A outra metade eu não sei...
Oswaldo Montenegro


    O amor é um dos sentimentos mais belos que existem, mas não quero que me ame. Ele é sutil, leve e salvador. Ele chega a transformar o pior monstro em um anjo. Ele te faz esquecer-se do tempo, das horas, de você mesmo. Ele faz brotar planos e sentimentos bons. Mas não, não me ame.  Você se entrega de corpo e alma, mesmo sabendo que é perigoso, mesmo sabendo que não é recíproco. Qualquer problema se torna um nada quando se tem amor. Ele te torna invencível! É teu consolo, teu colo, teu chão. Teu ouvido para as novidades e dores. Não me ame. Às vezes, parece que vai explodir de tanto amor que tem dentro da gente que, se explodisse, só iria espalhar sentimentos bons em quem fosse atingido. Você abre mão de muitas coisas por amor, mesmo não podendo, mesmo te prejudicando, o faz sorrindo. Ele te dá força, coragem e te transforma por dentro, tornando as qualidades maiores e até corrigindo alguns defeitos. Você se desdobra por apenas alguns minutos perto de alguém. Grita para o mundo o motivo do seu sorriso, sem o menor constrangimento. Reconhece aquela voz no meio de várias outras sem dificuldade. Não me ame, nunca. Pode passar horas olhando para aquele rosto sem se cansar, enumerando o que mais te fascina. Apaixona-se por toda aquela família como se fosse tua afinal, te deram o melhor presente que poderiam dar. Não se imagina sem e quer que fique na sua vida para sempre e.... do dia para noite tudo acaba. Sim, como se apertasse um botão, sua vida vira de cabeça para baixo, a dor é tanta que parece que vai morrer. Deus! Como doía, nunca senti tanta dor na minha vida. Tem que dar um jeito de sumir com tudo que está dentro para parar de te rasgar a cada vez que respira. Você perde o controle do que sente, perde seu trabalho, seus amigos, se isola. Perde-se, porque não importa em que direção vá, a dor continua latente, gritando, te matando a cada dia. Até o dia que a dor é tão grande e constante que anestesia seu corpo e alma. Olha no espelho e sente pena de si mesmo. Os amigos te encorajam a continuar a vida, a conhecer outras pessoas, mas nada te interessa. 
    Um dia está saindo com alguém por sair por sair, outro dia com outro e, quando percebe o primeiro sinal de apego se assusta e foge. Por isso eu repito: não me ame. Eu não tenho mais nada de bom que possa te dar. Não, eu não tenho medo de me apaixonar, porque sei que isso não vai acontecer. Sou vazia, tudo que eu tinha de bom vazou com as lágrimas infinitas. Me coração ficou em algum canto de um sobrado distante, talvez embaixo da cama onde chorei sangue tentando entender o que acontecia. Não me ame, por favor, porque isso me assusta e eu vou me afastar de você o máximo que puder. Arrisco dizer que odeio o amor. Ele sempre me trouxe dor, mas a última vez foi insuportável. Ele me tornou tão frágil que, ao me quebrar em milhões de pedaços, não consegui os colar novamente. Sou fragmentos de uma pessoa que um dia existiu e que sinto tanta falta como sinto da minha mãe. E que ao tentar andar sem as pernas acabou caindo ainda mais fundo, errado e sendo condenada no mesmo grau e, destruída de vez, aceitou a ausência de si. Não servia mais, era um ser humano com defeito. Não me ame, eu não vou poder te dar nada além de beijos e prazer. Não vai me ver todo dia, não vamos ao cinema, passear no parque, deitar na grama e ver as estrelas e a lua. Use-me e jogue fora. É pra isso que sirvo hoje, sou o kit-solidão temporário. Não fico mais com quem me ama pra evitar que mais alguém se perca nesse breu em que vivo. Pois não, não gosto e não desejo pra ninguém o que passei e me tornei, mas tive que aceitar. Fico com quem não dá nada por mim, com quem não tem intenção nenhuma de me levar a sério. E se, por acaso, eu perceber algum brilho diferente nos olhos de algum desses “quem’s” que passam por mim, será a última vez que irá me ver. Não quero amor, estou perdida. Não posso guiar ninguém e não enxergo o caminho para sair daqui. Quem poderia me ajudar me afunda ainda mais. Sinto-me doente. Tenho aversão a carinho, a “eu te amo”, “sinto sua falta”. O amor me sufoca. Não quero! Traz-me agonia, me tira a paz. Por favor, deixe-me só. Pode me julgar, mas não me ame! Não agora.

terça-feira, 17 de março de 2015

Parti, ainda partida


“Eu sabia que era preciso tempo. Cada perda tem sua hora de acabar,
cada morto seu prazo de partir, e não depende muito da vontade da gente.”
Lya Luft

     Afogava-se nas constantes lágrimas pelos erros, por sentir e, na maioria das vezes, por não sentir. Anestesiada, em meio a cobranças e tentativas falidas de fazer dar certo, errava mais. Em um ato de desespero foi até o porão, onde ninguém iria achá-la. Ainda sim ouvia as vozes das pessoas preocupadas e tristes pelo seu sumiço. No dia seguinte, quando tudo estava em silêncio, subiu até seu quarto, arrumou uma mala pequena e partiu. Não sabia ao certo para onde, mas sentia-se aliviada a cada passo que a levava longe dali. Deixava para trás seus sonhos profissionais, os quais, até então, não abria mão por nada nem ninguém. Deixava seus amigos, que já não eram mais só seus, o que amenizava a culpa da partida repentina. Deixava para trás sentimentos e desejos que não podiam ser vividos, só traziam dor e frustração para os envolvidos.
    Muitos tem pânico de armas, animais, altura, morte, ...  Ela entrava em pânico ao escutar “eu te amo”. É a mesma sensação daquele brinquedo de 100m de queda livre. Foi o que a fez partir. É um pânico inconsciente, que ela não dominava, na verdade, ele a domina. Enquanto ser amada é o sonho da maioria, pra ela era pesadelo. Quando ficava ao lado de alguém e se pegava sorrindo, era assustador. Quando se rompiam as barreiras físicas, tocando em sua mão, soava o alarme de emergência. Sua defesa a afastava o mais depressa possível. Era sumiço na certa.
     Sonhava sim em um dia conseguir viver ao lado de alguém, sem medo, sem dores e passado. Mas não falava disso com ninguém, nem consigo mesma. Pois isso a levava ao lugar onde isso aconteceu, com medos e dores sim, mas com uma intensidade jamais vivida. Onde viveu o maior e mais lindo sentimento e, consequentemente o mais dolorido e destruidor também. É estranho como alguém pode partir o seu coração e você ainda amá-lo com todos os pedaços partidos. Pra ela, felicidade virou a o alerta da dor. E por não conseguir se entregar a mais ninguém, acabava magoando também, o que a deixava pior, virando um ciclo vicioso. É o momento de seguir em frente, colocar no bolso os planos quebrados, as mágoas e culpas, o coração ainda partido, e estampar no rosto um falso sorriso de que tudo ficará bem.

Partir - v.i. Pôr-se no caminho, ir-se embora. |Ter seu começo. | Fig. Tomar por ponto de partida. | Emanar, provir.