sábado, 23 de maio de 2020

Sabor de despedida... ou não


Sorte?! Não era das coisas mais presentes na vida de Diana. Sorte no amor, então? Melhor mudarmos de assunto. Mas espera aí! Quem nunca teve ou foi uma decepção amorosa? Está bem, não se pode negar que Diana tinha o “hábito” de colecionar complicações na vida. Por quê? Não sei, meu palpite é que o roteirista da vida dela era metade ironia, metade sarcasmo.
Noite fria, largada na poltrona velha e desbotada, Diana assistia vários canais ao mesmo tempo pra tentar focar em algo menos bagunçado que seus pensamentos. Sem sucesso, ia desligando a  TV quando uma frase de um anúncio de sei lá o que chamou sua atenção: “Se te faz sorrir e não sai da sua cabeça, não desista”. Ela sorri, debochadamente, desliga a TV e vai para o quarto. 
Deita e … pára tudo! Ela não tinha mais nada a perder. “Dane-se!”, falou em voz alta. Pegou uma folha de caderno e escreveu devagar, caprichando na letra:
“Sei que errei muito, mas você nunca entendeu ou soube dos motivos das minhas escolhas. Não tem que me perdoar, mas posso pedir um último beijo? Te espero onde foi o nosso primeiro beijo, no dia do meu aniversário. É o único presente que quero. Prometo nunca mais te procurar.”
Fechou os olhos, tomando coragem. Se deixasse para amanhã, provavelmente a coragem já terá se diluído em seu medo. Pulou da cama e, sem pensar duas vezes, colocou o bilhete do bolso do casaco e foi andando pela rua, tão escura e deserta quanto estava seu coração. Chegou e ficou olhando aquela janela onde passava na frente pelo menos uma vez na semana sem saber o porquê do masoquismo. Coração acelerou, mas controlou a vontade de entrar pelo portão  gritando clichês bregas românticos. Colocou o bilhete na caixa de correio e, contrariando sua vontade de ficar, foi embora. Provavelmente não conseguirá dormir hoje. Seu aniversário, que ia passar em branco, já é na próxima semana e agora iria marcar sua vida. Não que ela tivesse esperança de receber seu ”presente”, mas se acontecesse… ah, se acontecesse.
Como era esperado Diana não conseguiu dormir e se recusava a voltar para a TV. Ela já tinha feito estrago demais. Se obrigou a tomar remédios para dormir,  pois tinha que trabalhar cedo, mesmo sem um pingo de vontade.
Acordou atrasada, só vestiu a roupa, escovou os dentes e correu para o trabalho. Sentada na da sua mesa, ela se lembra, por um minuto, da noite passada, com aquela sensação de que foi um sonho. E, no minuto seguinte, cai na real, foi mais real do que ela gostaria.
Ficou na dúvida se se matava naquele momento ou esperava a hora do almoço. Mas acabou usando a hora do intervalo para tentar desfazer a besteira. Tentou pegar o bilhete da caixa de correio mas parecia não ter mais nada ali. “Quem é que acorda cedo pra pegar cartas?”, resmunga baixinho. Com a cabeça mais congestionada do que antes volta para o trabalho mas não consegue se concentrar. Às 18h bateu seu cartão-ponto e voltou para casa, quase no automático. Podia ouvir a sonoplastia fúnebre de fundo. 
Os dias passaram tão rápido, parecia que o universo conspirava para celebrar seu aniversário.”E se eu não aparecer? …”, e assim, aflita, foi a véspera do seu aniversário,  fazendo mil perguntas que ela mesma respondia sem muita convicção.
Mal abriu os olhos de manhã e seu coração parecia que ia sair pela boca. Chegou o dia. E agora? Se ela tivesse um controle remoto da vida, com certeza iria acelerar até o dia seguinte.  Mas, infelizmente, a tecnologia não avançou tanto assim.
O dia de trabalho nunca passou tão rápido. Foi pra casa, tomou seu banho e ficou um bom tempo se olhando no espelho, esperando uma resposta de si mesma.
O local parecia vazio. “Que ótimo! Não vai abrir hoje!”, pensou, aliviada e entusiasmada com o destino. Abre-se a porta preta e sai um homem, que acende seu cigarro, olha pra ela e sorri: “Chegou cedo, hein?! Fica tranquila que vamos abrir em 15 minutos”. E assim nasceu o sorriso mais amarelo da história. Diana entra, seguida de um grupo de amigos, a música já está tocando. Não que isso a acalmaria, mas ela desejava, fortemente, um atentado terrorista naquele lugar. Era uma mistura de ansiedade, medo, vergonha e... “o atentado não vai acontecer mesmo?”. Já estava na sua terceira dose. Vai que o coma alcoólico fosse vantagem dessa vez e a salvasse, já que os terroristas estavam atrasados?
As horas passavam e mais copos iam, rapidamente, ficando vazios. Mas como de costume, começa a tocar aquela música pra desestabilizar mais ainda o psicológico de Diana. Ela nem conseguiu se recuperar da música quando entrou, com a roupa mais provocante possível, preta, e o perfume que chegou segundos  antes do último capítulo dessa tragédia. “Que bom, já veio de preto, para o meu funeral.”, pensou, segundos antes de se dar conta que quase não sentia seus membros. Enquanto estava vendo a tragédia se aproximando em câmera lenta, planejava como iria se desculpar por tudo aquilo. Obviamente, não deu tempo, Marina, séria, parou em sua frente, silêncio constrangedor.
Devido a música alta, Marina se aproxima e fala bem próximo de do ouvido de Diana:
- Eu não me importo de dar seu presente de aniversário, se me prometer que não será o último.

E o que parecia estar perdido, recomeça, uma história que poderia ser com você, com seu vizinho, com sua prima, ou qualquer pessoa que, por um segundo, resolveu sonhar.

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