quarta-feira, 8 de maio de 2013

(Es)colha


   
  Enquanto me distraía com os olhares que passavam por mim o sentimento ia se modificando. Subi correndo na árvore, se vê bem melhor dali, além de estar fora do alcance dos outros olhares. Observando o galho ao lado, onde ela costumava ficar, me recordei de suas palavras filosofadas com toda a sabedoria de suas cicatrizes. Embora sua frieza me arrancasse certa pena, ela não me parecia tão errada. Ela nunca arriscava largar do tronco para pegar minha mão com medo de cair. A compreensão me acompanhava enquanto, cantando, me aventurava em galhos mais altos. Arranhava-me no caminho, claro, mas que graça tem ficar lá embaixo, sentado no galho mais baixo e perto do chão? Não o perdia de vista em nenhum momento. Jogávamos ao vento palavras, confissões, indignações, memórias. Mentiras não. Sabíamos que mentir pra si mesmo é atraso, é autodestruição. Não tínhamos segredos mais um com o outro. Ela me conhecia tão bem que lia meus olhos até quando eles estavam fechados. Desci e, do galho mais baixo pulei, assustando-a.

- Não escorrega! Pula!
- Não... vou me machucar.
- Se você se machucar eu vou estar aqui embaixo pra cuidar de você.
- Eu sei, mas eu já me machuquei assim...
- Comigo?
- Não...
- Então...


    Ela hesitou por um tempo. Olhou no fundo dos meus olhos e pulou. Caiu de pé, intacta. Quem a derrubou fui eu ao pular no seu colo, gargalhando juntas. Foi sua escolha. Foi assim que vi pela última vez aquele sorriso. Cada escolha é uma semente que se planta, mas que se colhe suas consequências. Eu continuo subindo todos os dias na nossa árvore, até o último galho que consigo. E eu sei, que em algum lugar, ela está pulando, se arriscando, vivendo sem medo de se machucar. E isso é o que importa, não é? Se jogar, arriscar ao invés de ficar contando e sentindo as cicatrizes. Elas inevitavelmente estarão sempre ali, mas você não precisa – nem deve – estar junto.

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